Por Sebastião Pereira do Nascimento – Filósofo, poeta e escritor. Autor dos livros “Sonhador do absoluto” e “Recado aos humanos”; coautor do livro “Vertebrados Terrestres de Roraima”; membro do corpo editorial da revista científica Biologia Geral e Experimental.
O filósofo inglês Herbert Spencer, fazendo um recorte sobre a pessoa livre, disse que “a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”, ou seja, cada pessoa tem a liberdade de fazer, escolher, decidir, pensar e falar conforme suas próprias convicções, porém, respeitando igualmente o lado do outro, numa livre escolha de controlar seus apetites e contemplar a liberdade.
Historicamente, a liberdade sempre foi um dos principais temas de discussão da filosofia. Tendo ela (a liberdade) enveredado por diferentes conceitos — todos filosoficamente discutíveis —, havendo, no entanto, uma das primeiras definições de liberdade, atribuída ao filósofo grego Aristóteles, quando preconiza que a liberdade está baseada na possibilidade de realizar escolhas orientadas pela vontade de cada um. Não obstante, a liberdade deve estar acompanhada do conhecimento, que é uma ferramenta capaz de ampliar as possibilidades de escolha e tornar o indivíduo mais livre, e, por ser livre, ele torna-se capaz de fazer o outro contemplar também a liberdade.
Para Tomás de Aquino, a liberdade finda-se com a inteligência e a vontade, ambas complementares. A inteligência é a causa do livre-arbítrio e a vontade é a representação do livre-arbítrio, não sendo, portanto, do sujeito. A inteligência caracteriza-se pela difusão do juízo e a vontade, pela escolha que ela efetua. Para esse autor de “Suma de Teologia”, a liberdade consiste na condição mediadora do ser racional em dirigir-se por si ao Fim Ultimo, e evitar aquilo que possa se desvencilhar desse objetivo.
Immanuel Kant considera que a liberdade é o livre arbítrio. É a ação em conciliação com a lei e a moral que nós outorgamos a nós mesmos. A liberdade implica assim na responsabilidade do indivíduo por seus próprios atos. Sem dúvida, há no conceito de liberdade kantiana o envolvimento com a consciência, o poder, o dever e a identidade do ser humano, onde a liberdade está relacionada com a autonomia, que faz o indivíduo criar “regras” para si, respeitando a autonomia da natureza e a liberdade do outro, fazendo tudo aquilo que o julgamento da razão lhe indica como necessário para chegar ao fim. Pois, é livre não aquele que vive sem leis ou contra a lei, mas aquele que vive de acordo com as leis que ele mesmo elaborou, ou às quais dá seu assentimento livre.
Já Leibniz, filósofo alemão, quando se pronuncia sobre a liberdade, diz que o agir humano é livre a despeito do princípio de causalidade que rege os objetos do mundo material. Assim, ele considera que “[…] a ação humana é contingente, espontânea e refletida. Isto é, [a liberdade] é contingente porque não poderia ser de outra forma (nunca é necessária). É espontânea porque sempre parte do sujeito que, mesmo determinado, é responsável por causar ou não uma nova série de eventos dentro da teia causal. É refletida porque o homem pode conhecer os motivos pelos quais age no mundo e, uma vez os conhecendo, lidar com eles de maneira a optar pela liberdade.”
Para Espinoza e John Locke, as discussões filosóficas que celebram a liberdade têm base conceitual na liberdade natural, ou seja, a liberdade possui um elemento de identificação com a natureza do “ser”. É mediante a liberdade que o homem se exprime como tal e em sua totalidade. Locke ressalta que a liberdade natural consiste na independência do indivíduo em relação aos seus semelhantes, ela não é considerada ilimitada. Assim, o filósofo adverte que a condição natural não se caracteriza por um estado de licenciosidade ou de ausência total de restrições, uma vez que a liberdade deve ser exercida dentro dos limites da lei natural, a qual governa e obriga a todos igualmente. Portanto, se o indivíduo pudesse agir sem quaisquer limites, nem ele, nem o outro teriam a liberdade. Sempre estariam sujeitos à vontade incerta e arbitrária de outros.
Friedrich Nietzsche diz que a liberdade é algo que se conquista. Aliás, no juízo nietzschiano e de outros existencialistas ateus, como Albert Camus, Martin Heidegger e Maurice Merleau-Ponty, a liberdade do homem só é conquistada com a “morte de Deus” e a recusa de um propósito de vida endossado antecipadamente pela graça divina. Diante dessa premissa, Nietzsche, com sua mais própria austeridade, diz: “Agora esse Deus morreu! Homens superiores, foi o vosso perigo. Pois o ressuscitastes desde que ele jazia na sepultura. E só agora torna-se senhor o homem superior […]. Homens superiores! Só agora vai dar luz à montanha do futuro humano. Portanto, Deus morreu: agora nós queremos que viva…” [a liberdade].
Karl Marx, influenciado por Georg Hegel, em seus encartes econômico-filosóficos, trata a liberdade como uma constante criação prática do indivíduo que, em circunstâncias objetivas, desponta suas faculdades e aptidões diversas. Marx, assim, critica as concepções metafísicas da liberdade. Para ele, não há liberdade sem o mundo material, no qual o indivíduo manifesta na prática sua liberdade junto com outras pessoas, em que transforma suas circunstâncias de modo a criar o mundo objetivo de sua existência. Para Marx, a liberdade humana só pode ser encontrada de fato pelo indivíduo na produção prática da sua própria condição material.
A filósofa Hannah Arendt, quando versa sobre ser livre, diz que a liberdade é uma característica fundamental das atividades do pensar e do querer. Diante dessa compreensão, a pensadora alemã alude que a liberação precede a liberdade, isto é, é preciso se liberar das armadilhas externas, para garantir a sobrevivência da liberdade e não estar sob o domínio de outrem para poder ser livre. Diante desse contexto, a filósofa é assertiva quando pronuncia: “Por não ser possível pensar em uma liberdade que não se exerça entre seus iguais, ou seja, entre seus pares, aquele que domina a outrem também não pode ser livre, nem mesmo pode se mover em um espaço onde há liberdade”.
Para o pensador francês Jean-Paul Sartre, a liberdade é a condição de vida do ser humano, pois o princípio do homem é ser livre. Logo, os humanos, condenados a serem livres, são obrigados a realizar escolhas para construir sua própria existência. Assim, pode-se pensar na liberdade como o direito de escolha pelo indivíduo, independentemente de qualquer fator externo. Isso leva ao direito do indivíduo agir de acordo com sua própria vontade, sem limitações impostas por outras pessoas. Por sua perspectiva existencialista, Sartre diz que a pessoa é livre, posto que é aquilo que faz do que fazem com ela. Pessoa nunca é um ser acabado predeterminado, sempre há a possibilidade de escolha entre o ser do homem e o ser livre. Divergindo de Lutero, Sartre, julgando que Deus não existe, veementemente, diz que “a liberdade é absoluta”, enquanto Lutero diz que a liberdade não existe. Justamente porque Deus tudo sabe e tudo prevê.
Em muitos encartes filosóficos, a liberdade é tratada como o direito de agir segundo o seu livre arbítrio, conforme a própria vontade, desde que não prejudique outra pessoa. Essa maneira de conceber a liberdade traz a sensação de estar livre e não depender de ninguém. Todavia, a pessoa não faz o que quer, mas, sobretudo, pode consumar realizações de metas e fins estabelecidos, e se sentir feliz por ser livre e por possuir “medidas” que possibilitam concretizar as escolhas motivadas, tendo como pressuposto a ação eticamente responsável.
Em adição a esse contexto, a liberdade é classificada pela filosofia como uma manifestação genuinamente humana. Ela é a condição daquele que é livre e que tem a capacidade de pensar e agir por si próprio. A liberdade é sinônimo de autodeterminação, independência, autonomia, espontaneidade e intencionalidade. Uma multiplicidade de estímulos presentes na essência humana que nos faz confrontar com a necessidade de escolher entre as diversas alternativas possíveis, tanto no sentido amplo quanto no sentido mais restrito, quando se pensa na clássica ideia de liberdade, definida pelos direitos civis e políticos. Dentre eles, o direito às liberdades individuais: liberdade de ir e vir, liberdade de voto, liberdade de pensamento, liberdade religiosa, liberdade de expressão, dentre outras.
No que se refere à liberdade de expressão, ainda que haja garantia dada a um indivíduo de emitir suas opiniões e ideias, a liberdade de expressão deve ser ponderada para que não se configure numa ameaça às instituições ou à honra e à dignidade das pessoas. Isso implica dizer também que o exercício de todas as liberdades não é ilimitado. Portanto, a liberdade de expressão também tem seus limites. Tendo nos países de ordem mais democrática, os abusos e os excessos sofrerem restrições legítimas, especialmente quando verificada a intenção de incitação à violência, difamação, calúnia, blasfêmia, racismo e conspiração contra a democracia. Pois, como preceituado na visão aristotélica, o homem é livre à medida que vive dentro dos parâmetros da lei imposta pelo Estado. Ser livre, portanto, é viver de acordo com a lei.
Sob pretexto de tolerância em relação a ideias e opiniões extremas, no mundo contemporâneo, há muitos riscos coletivos em torno dessa “livre” liberdade de expressão, como argumentou Karl Popper, ao criar o termo “paradoxo da tolerância” para discutir como a desinformação e a tolerância ilimitada ao discurso de ódio põem em risco a sociedade e a democracia. Para esse filósofo, a melhor forma de combater essas narrativas que vão para além da liberdade é debatê-las com argumentos racionais; enquanto a censura, usar apenas como último recurso, na forma da lei.
Como complemento a esse breve ensaio filosófico, não poderia deixar de citar Stuart Mill, um dos filósofos mais influentes do século XIX, quando diz que a grande ameaça à liberdade de expressão não é necessariamente o Estado, mas a tirania social de seus cidadãos. Logo, a liberdade de expressão e seus limites e soluções deveriam passar também por libertar as pessoas das armadilhas externas. Visto que, numa sociedade isenta dessas amarras, ninguém vai precisar ficar regulando as coisas que as pessoas dizem porque elas não vão sentir necessidade de dizer isso. Ademais, é mais fácil escolher ser livre em liberdade do que escolher ir além dela — da liberdade.