Por Sebastião Pereira do Nascimento
O Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no último dia 5 de junho, foi criado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na resolução de 15 de dezembro de 1972, com a qual foi aberta a Conferência de Estocolmo, na Suécia, cujo tema central foi o ambiente humano. Mais do que uma data comemorativa, aqui no Brasil, o cinco de junho próximo, cujo presente deveria ser a reafirmação de cuidados ambientais, no entanto, será agraciado com um “presente de grego” — isto é, um projeto de lei que flexibiliza as regras para licenciamento ambiental, que, pelo poder destrutivo, vem sendo apelidado de “PL da devastação”.
Já aprovado pelo Senado, o projeto passa agora a ser analisado pela Câmara, com grande chance de ser aprovado, dada a massiva pressão da bancada ruralista. Na prática, o projeto facilita a liberação de licença ambiental para empreendimentos com potencial de impacto no meio ambiente (caso de viadutos, pontes, hidrelétricas, barragens de rejeitos, por exemplo) e cria a Licença por Adesão e Compromisso — um tipo de licenciamento automático que permite que empreendimentos cujos impactos e condições de funcionamento são conhecidos obtenham autorização para operar sem a necessidade de um processo de licença ambiental mais adequado. Essa licença simplifica o processo, exigindo que o empreendedor declare, de forma autodeclaratória, a adesão e o compromisso com os critérios e condições estabelecidos pelo órgão ambiental. Algo extremamente preocupante, visto que a omissão no cumprimento das obrigações legais e éticas de preservação ambiental é passível de ser prevista.
Os defensores do projeto, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, veem uma oportunidade para destravar obras. No entanto, sabem que o que trava verdadeiramente as obras no Brasil é a corrupção — tanto por parte de gestores municipais, estaduais e federais, como também do próprio Congresso, com suas propinas e orçamentos secretos — como ficou evidenciado, por exemplo, no caso de um certo senador da República, flagrado pela Polícia Federal, em outubro de 2020, com dinheiro desviado de recursos públicos escondido na cueca.
Diante do futuro sombrio para o meio ambiente, em conformidade com o que dizem Selma Corrêa e Lanna Paula Ramos — assessoras da organização Terra de Direitos, em artigo publicado no jornal Le Monde Diplomatique, em 22/05/2025 —, abasteço-me de recortes do citado artigo, reiterando as argumentações sobre a degradação do meio ambiente e a violação dos direitos dos povos tradicionais, que tendem a ser agravadas com a aprovação do Projeto de Lei nº 2.159/2021, em pauta no Congresso:
“De um lado, povos indígenas, quilombolas, extrativistas, camponeses, agricultores familiares e outras comunidades tradicionais resistem e cultivam seus modos de vida com base em práticas e saberes que preservam o meio ambiente. Do outro lado, estão empresas — nacionais e multinacionais — que, em nome do desenvolvimento, planejam e instalam obras e empreendimentos às custas da devastação ambiental e da violação de direitos territoriais e humanos. A esse último bloco somam-se mais alguns atores: o governo (municipal, estadual e federal), o Poder Judiciário e o Legislativo — este último, um dos principais vilões do meio ambiente, que age de forma que transcende a ética, a moral e o decoro —, onde, muitas vezes, legitimam a violação de direitos, agindo mais em defesa desses interesses econômicos do que das populações tradicionais — ou mesmo do meio ambiente, que atualmente está no centro dos debates de proteção por conta da crise climática global. Esse cenário não é novo. Os embates também não são de agora. No entanto, a recente aprovação do ‘PL da devastação’ no Senado acende um alerta de perigo à vista.”
Uma das mudanças do novo projeto de lei, sobre a necessidade de consulta a povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, diz que esses povos só deverão ser ouvidos sobre a instalação dos empreendimentos se seus territórios estiverem 100% titulados ou demarcados. Ocorre que a maior parte dos territórios tradicionais no Brasil não está titulada ou demarcada.
De acordo com a nota técnica da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e a Terra de Direitos, no caso dos povos quilombolas, por exemplo, somente 24 territórios de todo o Brasil estariam aptos a serem consultados. Esse número representa apenas 2% do total de comunidades. Em Santarém, oeste do Pará, nenhuma comunidade quilombola seria consultada, já que, atualmente, somente uma das mais de 12 comunidades tem o território titulado — e ainda por cima de forma parcial. A nota técnica aponta também que a nova lei deve promover e acelerar a degradação ambiental nos territórios quilombolas, intensificar o racismo ambiental e violar os direitos fundamentais já garantidos às comunidades tradicionais do Brasil.
Paralelo a isso, estudos mostram que essas mesmas comunidades têm um papel central no enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas, com suas práticas e saberes tradicionais. Para se ter uma ideia, de acordo com o MapBiomas, entre 1985 e 2022, os territórios quilombolas apresentaram as menores taxas de desmatamento: 4,7%, contra 17% em propriedades privadas.
Não obstante, em um mundo em que o meio ambiente vem sendo brutalmente castigado, onde a manutenção das florestas, das águas e a preservação ambiental são o caminho para reverter a crise do clima e as drásticas alterações ambientais, o Brasil — com a aprovação do “PL da devastação” — vai permitir que empresas desenvolvam atividades, obras, projetos e empreendimentos sem licenciamento, estudos ambientais ou relatórios de mitigação dos efeitos de degradação ao meio ambiente, valendo-se somente da autodeclaração de compromisso.
Se com um licenciamento ambiental regulado temos episódios de devastações socioambientais, como os casos do Tapajós, Brumadinho, Mariana, Belo Monte e tantos outros — assim como a grande devastação ocorrida no RS, caracterizada, sobretudo, pelos longos anos de negligência ambiental —, como é possível garantir um compromisso com o meio ambiente em empreendimentos que ocorrem em áreas rurais, como agropecuária, madeireira, agroindústria, entre outros, ou em empreendimentos imobiliários e de serviços, que se valem da omissão de órgãos ambientais e do sistema de justiça para continuar suas atividades poluidoras sem consequências?
Quanto aos povos indígenas, o órgão indigenista afirmou que, ao excluir sua atuação em territórios indígenas não homologados e restringir a participação dos povos indígenas em decisões sobre empreendimentos com impacto socioambiental, o novo projeto de lei descumpre o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho — também reafirmado pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
A flexibilização das regras ambientais representa um risco significativo para o meio ambiente e para a sociedade, com potenciais consequências como a intensificação do desmatamento, perda de biodiversidade e comprometimento da credibilidade ambiental do país. No contexto político, pelos avanços que o Brasil teve nas últimas décadas, em um momento crucial como o da COP 30 (a ser realizada em novembro próximo, em Belém-PA), o país tem a responsabilidade de liderar o enfrentamento da crise climática — ainda que, contemporaneamente, enfrente alguns retrocessos, sobretudo como parte da herança do governo passado. Fato que não deixa de ser incômodo para o governo brasileiro, que estará à frente da 30ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre mudança do clima. Por outro lado, a verdadeira justiça social e ambiental não será alcançada enquanto os interesses políticos e econômicos se sobrepuserem às leis e diretrizes que regulam a proteção da natureza em seus múltiplos aspectos.
No que se refere ao lavrado de Roraima, o “PL da devastação” tende a ser destrutivo para a flora e a fauna da região, com potenciais ameaças às espécies mais vulneráveis — a exemplo dos lagartos do gênero Gymnophthalmus (G. vanzoi e G. leucomystax), descritas em Roraima, que habitam exclusivamente ecossistemas de áreas abertas. Localmente, as duas espécies vivem simpatricamente numa área restrita à região do médio rio Uraricoera — a primeira vivendo no folhiço seco de folhas de caimbé, em estreita faixa de borda de mata com áreas abertas; a segunda, associada a cupinzeiros nos tesos do lavrado, em áreas francamente abertas — região potencialmente sujeita à expansão da grande monocultura. E, com o afrouxamento das normas ambientais, isso pode resultar em menor proteção do meio ambiente, permitindo atividades agrícolas e pecuárias que, de outra forma, poderiam ser mitigadas ou mesmo proibidas.