Por Sebastião Pereira do Nascimento*
Desde os primórdios, os seres humanos buscam compreender a origem e a evolução do universo. Com os avanços recentes da física, descobertas como a existência de exoplanetas em zonas habitáveis ampliaram o horizonte da ciência e desafiaram antigas concepções religiosas. Tais achados enfraquecem a ideia de que a Terra ocuparia um lugar único no cosmos, abrindo espaço para explicações menos dependentes do sobrenatural.
É nesse cenário que se destaca a figura de Stephen Hawking (1942–2018), físico britânico cuja trajetória intelectual reflete uma profunda transformação de pensamento. Inicialmente aberto à possibilidade de um agente divino por trás das leis da física — como sugerido no livro Uma Breve História do Tempo (1988) —, Hawking viria a adotar uma postura mais firme diante das evidências científicas.
A descoberta, em 1992, de um planeta orbitando uma estrela fora do Sistema Solar contribuiu para esse reposicionamento. A existência de mundos potencialmente habitáveis fora da Terra enfraquece a tese de um universo especialmente desenhado para a vida humana. Com base nesse entendimento, Hawking passou a rever as ideias de Isaac Newton sobre um cosmos criado deliberadamente por Deus.
Essa mudança de perspectiva se consolida na obra O Grande Desígnio (2010), escrita em parceria com o físico Leonard Mlodinow. Nela, Hawking declara que “Deus não criou o universo”, sustentando que o cosmos se originou por meio das próprias leis naturais — em especial, a gravidade. A afirmação causou grande controvérsia, sobretudo entre religiosos, mas mantém rigor com a abordagem científica de explicações racionais e verificáveis.
Hawking não se limitou ao campo da cosmologia. Refletiu sobre temas como o destino da humanidade, a existência de vida extraterrestre e riscos existenciais. Na mesma obra, reforça que “não é necessário evocar Deus para criar o universo”, propondo que a ciência tem ferramentas suficientes para explicar a realidade.
Essa visão foi reiterada em seu último livro, Breves Respostas para as Grandes Questões (2018), lançado poucos meses após sua morte. Nele, Hawking volta a argumentar que a posição da Terra no universo não é produto de um planejamento divino, mas de coincidências naturais moldadas por princípios como os da física quântica e da teoria-M — proposta que unifica diferentes leis físicas por meio de estruturas em múltiplas dimensões.
Um contraponto simbólico a essa visão aconteceu em 1968, quando astronautas da missão Apollo 8, ao entrarem em órbita lunar, recitaram o versículo “No princípio, Deus criou os céus e a Terra” (Gênesis 1:1) durante transmissão ao vivo. Essa leitura bíblica marcou o imaginário coletivo da exploração espacial.
Contudo, à luz das descobertas científicas, ganha força uma nova leitura: “No princípio, o universo era governado pelas leis físicas e não precisou ser colocado em movimento por um deus”, como afirmam Hawking e Mlodinow. Trata-se de uma ruptura com narrativas teológicas tradicionais, mas que convida à reflexão sobre o lugar do ser humano no cosmos.
*Filósofo, escritor e consultor ambiental. Autor de “Sonhador do Absoluto” e “Recados aos Humanos”. Membro editorial da revista Biologia Geral e Experimental.